Simeão: partindo em paz

Isso não é um privilégio exclusivo de Simeão; é comum a todos os santos, visto que os fundamentos sobre os quais se assenta esse privilégio não são monopólio de Simeão, mas pertencem a todos nós. 

Observe primeiro que todos os santos viram a salvação de Deus; portanto, todos devem partir em paz. É verdade que não podemos segurar o menino Jesus em nossos braços, mas Ele foi formado em nós, “…a esperança da glória…” (Cl 1:27). É verdade que não podemos vê-lo com nossos olhos mortais, mas o contemplamos com os olhos imortais, que a morte não pode apagar — os olhos do nosso próprio espírito que foram abertos pelo Espírito de Deus. Ver Cristo com olhos naturais não nos concede a salvação, pois milhares o viram e clamaram: “Crucifica-o! crucifica-o!” (Jo 19:6). Acima de tudo, no caso de Simeão, era o olho espiritual que o enxergava, aquele olho da fé que realmente contemplava o Cristo de Deus; pois havia muitos outros no Templo que também viram o bebê; havia o sacerdote que realizava o ato da circuncisão e os outros oficiais que se reuniam em torno do grupo; mas não sabemos se mais alguém enxergou a salvação de Deus. Eles puderam ver a criança inocente que foi levada por seus pais, mas não viram nada de extraordinário nele; talvez Simeão e Ana, dentre todos os que estavam no Templo, viram com seus olhos espirituais o verdadeiro Ungido de Deus revelado em um frágil bebê.

Portanto, mesmo que vocês e eu não tenhamos visto Cristo fisicamente, não devemos nos lamentar, pois isso é secundário como privilégio; porque, se vimos o Deus encarnado com nossos olhos interiores e o aceitamos como nosso Salvador, somos abençoados como o santo Simeão. Abraão viu o dia de Cristo, antes mesmo que esse dia amanhecesse; e, ainda hoje, depois de tanto tempo, nós contemplamos esse mesmo dia com o fiel Abraão e nos regozijamos. Nós olhamos para Jesus e nossos olhos foram iluminados. Vimos “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). No “…desprezado e o mais rejeitado entre os homens…” (Is 53:3), vimos o Salvador ungido; crucificado e sepultado, que ao terceiro dia ressuscitou e ascendeu à glória, vimos a salvação plena, gratuita e completa. Por que, então, devemos nos considerar menos favorecidos do que Simeão? Resultados semelhantes surgem de causas semelhantes: partiremos em paz, porque vimos a salvação de Deus.

Além disso, os crentes em Cristo já desfrutam de paz tanto quanto Simeão desfrutou. Ninguém pode partir em paz se não viveu em paz; mas quem alcançou a paz em sua vida também terá paz em sua morte e uma eternidade de paz após a morte. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo…” (Rm 5:1). Jesus nos legou paz, quando disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou…” (Jo 14:27). “Porque ele é a nossa paz…” (Ef 2:14), e “…o fruto do Espírito é […] paz…” (Gl 5:22). “Fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho” (Rm 5:10). Estou certo de que a paz que fluiu do coração de Simeão não era mais divina em qualidade do que aquela que habita em todo cristão verdadeiro. Se o pecado é perdoado, o assunto está encerrado; se a expiação é feita, a paz é estabelecida — a paz de uma aliança eterna. Agora somos guiados por caminhos de paz; caminhamos ao longo da estrada do Rei, da qual está escrito: “Ali não haverá leão…” (Is 35:9); somos conduzidos para junto das águas tranquilas e repousamos em pastos verdejantes26. Com Deus, o medo da escravidão não nos assola, embora Ele seja “…um fogo consumidor…” (Êx 24:17), mesmo para nós. Já não trememos quando nos aproximamos de Sua presença, pois Ele nos concedeu a honra de chamá-lo de nosso Pai. O precioso sangue derramado sobre o propiciatório o tornou um lugar seguro para recorrermos, em todos os momentos; a ousadia tomou o lugar do medo. O trono de Deus é agora nosso deleite, embora já tenha sido nosso terror.

Podemos ter certeza de que teremos a mesma paz que Simeão possuía, porque, se formos verdadeiros crentes, também somos servos de Deus. O texto diz: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo”. Mas, neste caso, um servo não pode exigir um privilégio especial, colocando-se acima de todos os outros servos da casa. Se tivermos a mesma posição diante de Deus, teremos a mesma recompensa de Deus. Simeão era um servo; e você também, irmão, é um servo; e aquele que diz a Simeão que ele pode “partir em paz”, também lhe dirá o mesmo. O Senhor tem muita consideração por Seus servos idosos e zela por eles quando suas forças acabam. O amalequita que tinha um servo egípcio, mas o abandonou quando ele adoeceu, e aquele servo teria morrido se Davi não tivesse tido compaixão dele. Nosso Deus, porém, não é como esse senhor amalequita, dono de escravos; Ele não abandona Seus servos cansados e enfermos. “Até à vossa velhice, eu serei o mesmo e, ainda até às cãs, eu vos carregarei; já o tenho feito; levar-vos-ei, pois, carregar-vos-ei e vos salvarei” (Is 46:4).

Davi sentiu essa realidade, porque ele orou a Deus dizendo: “Não me rejeites na minha velhice; quando me faltarem as forças, não me desampares” (Sl 71:9). Se o seu Senhor deu a você o uniforme de gala da Sua graça e o ensinou a obedecer à Sua vontade, Ele nunca o deixará ou o desamparará; Ele não venderá você, entregando-o nas mãos do seu adversário, nem permitirá que a sua alma pereça. Um verdadeiro mestre sabe que proteger seus servos faz parte de sua responsabilidade, e nosso Grande Senhor e Príncipe se levantará em favor do mais humilde de Seus seguidores, e levará cada um deles para o descanso reservado ao Seu povo. Você realmente serve a Deus? Lembre-se de que “…a quem obedeceis sois servos…” (Rm 6:16). O Espírito ensinou você a obedecer aos mandamentos do amor? Você se esforça para andar em santidade? Nesse caso, não tema a morte; ela não poderá lançar seus terrores sobre você. Todos os servos de Deus partirão em paz. 

Há também outra reflexão que fortalece nossa convicção de que todos os crentes em Cristo partirão em paz, e é esta: que até hoje, todas as coisas em sua experiência foram segundo a Palavra de Deus. O fundamento da esperança de Simeão de partir em paz era “segundo a tua palavra”; e certamente nenhum texto das Escrituras é de interpretação privada nem é reservado apenas para um crente, excluindo os demais. As promessas de Deus, que em Cristo Jesus “têm o sim e o amém” são seguras para todos os filhos: a promessa não foi feita apenas para alguns dos filhos, mas para todos os herdeiros que nasceram de novo pela graça. Não há nenhuma promessa especial que foi dada a alguns santos dos tempos antigos, como Simeão, mas a todos nós que estamos em Cristo, o cabeça, participamos da aliança eterna, “…em tudo bem-definida e segura” (2Sm 23:5). Portanto, se Simeão, como um crente no Senhor, tinha a promessa de partir em paz, eu também tenho essa promessa se eu estiver em Cristo. Simeão se agarrou ao que Deus havia dito em Sua Palavra, e ninguém poderia contradizê-lo; mas se eu, com a mesma fé que nos foi dada pela graça, também me apropriar dessa Palavra, quem vai contestar o meu direito? Deus não vai quebrar Sua promessa com nenhum de Seus filhos, favorecendo mais a um do que a outro, e é por isso que quando for a nossa vez de recolher nossos pés na cama e entregar nosso espírito, alguma passagem preciosa das Sagradas Escrituras será para nós como uma vara e um cajado para que não temamos o mal.

Sermões sobre homens da Bíblia - Novo Testamento

Artigo retirado de trecho do livro

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