O pastor e autor Robert Gelinas aponta, em seu livro The Mercy Prayer (A oração de misericórdia — tradução livre), que há uma oração feita com mais frequência do que qualquer outra na Bíblia: “Senhor, tem misericórdia”. Essa oração, conhecida nas igrejas litúrgicas como Kyrie Eleison, levou Gelinas a escrever a sua própria “oração de misericórdia”:

Por aqueles que pecam e por aqueles que sofrem,

Por aqueles que sofrem porque pecam,

Por aqueles que pecam para aliviar o seu sofrer,

Senhor, tem misericórdia de nós.

O que é a misericórdia de Deus pela qual oramos? Primeiro, a misericórdia parece ser verdadeiramente uma das características definidoras de Deus nas Escrituras. Na própria autodescrição de Deus, dada a Moisés no Monte Sinai, lemos: “Javé! O SENHOR! O Deus de compaixão e misericórdia! Sou lento para me irar e cheio de amor e fidelidade.” (Êxodo 34:6).

O Deus de… misericórdia. Essa poderosa virtude é digna de nossa consideração, pois, de certa forma, retrata muito bem o tratamento de Deus em relação à teimosa e rebelde criação. Então, o que é a misericórdia de Deus?

O Dictionary of Bible Themes (Dicionário de temas bíblicos) define misericórdia como “uma qualidade de compaixão, especialmente expressa no perdão de Deus pelos pecados humanos. A Escritura enfatiza a paciência de Deus para com os pecadores. Em Sua misericórdia, Ele os protege daquilo que merecem e lhes concede dádivas que eles não merecem” (tradução livre).

A última frase dessa definição é especialmente vital porque descreve uma misericórdia com dois lados que tanto protege quanto concede. O lado “conceder” da misericórdia é semelhante ao conceito de graça do Novo Testamento, em que Deus nos concede o amor, o perdão, a restauração e o relacionamento que não merecemos nem nunca poderíamos.

Talvez seja por isso que o autor da carta aos hebreus lançou mão da misericórdia (e graça) de Deus como um motivador para nossas orações:

“Assim, aproximemo-nos com toda confiança do trono da graça, onde receberemos misericórdia e encontraremos graça para nos ajudar quando for preciso.” (Hebreus 4:16).

Todavia o outro lado da definição de misericórdia parece ser mais o foco das Escrituras: “Deus protege os pecadores daquilo que merecem”. Bem no começo da minha caminhada de fé, ouvi dizer que a graça é receber o que não merecemos, enquanto a misericórdia é não receber o que de fato merecemos. A misericórdia de Deus retém o julgamento. Um exemplo dessa misericórdia restringente é visto no Antigo Testamento, no livro de Lamentações, escrito pelo profeta Jeremias durante um tempo de crise nacional (Lamentações 3:22-23).

O lamento de Jeremias foi escrito em uma época quando o reino do sul de Judá, tendo se afastado de Deus e abraçado os deuses das outras nações, estava passando por um período nacional de disciplina divina. Mas Jeremias ainda vislumbrou razões para esperança. Ele viu a misericórdia de Deus como limitadora da extensão dessa disciplina para que eles “não [fossem] consumidos” (v.22 ARA). Aqui, a misericórdia é claramente descrita como um obstáculo às consequências.

Não é de se admirar então que Davi, em muitos de seus salmos de lamento, apele a Deus por Sua misericórdia (Salmo 4:1; 6:2,9; 25:6; 28:2 e muitos mais). Embora descrito como um homem segundo o coração de Deus (1 Samuel 13:14), Davi era, contudo, uma pessoa profundamente falha e quebrantada que experimentou consequências trágicas e dolorosas por seus pecados. Até para o grande rei e salmista, misericórdia era a resposta de Deus pela qual ele mais almejava.

Além disso, no Novo Testamento, a carta de Paulo a Tito viu a misericórdia de Deus como integrante da nossa salvação, segundo ele escreveu: 

“Mas, quando Deus, nosso Salvador, revelou sua bondade e seu amor, ele nos salvou não porque tivéssemos feito algo justo, mas por causa de sua misericórdia…” (Tito 3:4-5)

Novamente, tal declaração sobre nosso resgate espiritual traz os dois lados da moeda do caráter de Deus. A salvação é totalmente pela graça “não porque tivéssemos feito algo justo”, mas pela Sua misericórdia para nos poupar do julgamento que nossos pecados merecem. Isso fez com que o apóstolo Pedro exultasse:

“Todo louvor seja a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Por sua grande misericórdia, ele nos fez nascer de novo, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. Agora temos uma viva esperança” (1 Pedro 1:3)

“Por sua grande misericórdia” é a frase que deve nos motivar a respondê-lo de todo nosso coração. Então, como devemos responder a Deus, que lida conosco em misericórdia, em vez de nos dar o que merecemos? Alguns desafios bíblicos serão úteis aqui:

“Portanto, irmãos, suplico-lhes que entreguem seu corpo a Deus, por causa de tudo que ele fez por vocês. Que seja um sacrifício vivo e santo, do tipo que Deus considera agradável. Essa é a verdadeira forma de adorá-lo.” (Romanos 12:1).

“Louvado seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai misericordioso e Deus de todo encorajamento.” (2 Coríntios 1:3).

“Sejam misericordiosos, assim como seu Pai é misericordioso.” (Lucas 1:3).

No último salmo do Livro 3 de salmos, Etã, o ezraíta, oferece-nos uma resposta que pode ser tão constante quanto nosso respirar. Ele escreve:

“Cantarei para sempre as tuas misericórdias, ó SENHOR; os meus lábios proclamarão a todas as gerações a tua fidelidade.” (Salmo 89:1 ARA)

Como Jeremias, em Lamentações, Etã une a misericórdia de Deus e Sua fidelidade. A misericórdia de Deus impede que sejamos consumidos por causa das consequências de nossas transgressões e escolhas erradas, dando-nos muitas razões para louvarmos e adorarmos. É bom lembrarmos que a misericórdia de Deus não é meramente um elemento da nossa conversão de outrora. Ela deve ser uma parte significativa da nossa caminha contínua de fé para que, em momentos de fracasso e derrota, desespero e tristeza, vergonha e culpa, possamos ir ao Pai de misericórdias e orar por nós mesmos e por aqueles ao nosso redor.

Perguntas para reflexão

  1. Quando você pensa em Deus, você pensa nele mais frequentemente como um Deus de misericórdia ou um Deus de justiça? Por quê?
  2. Além da salvação, como você experimentou a misericórdia de Deus em sua vida?
  3. O autor lista três maneiras pelas quais podemos responder à misericórdia de Deus na salvação: 1) rendendo nossa vida a Ele; 2) louvando a Deus; e 3) contando aos outros sobre a Sua misericórdia. Quais são algumas formas práticas de realizar cada uma dessas respostas?
  4. Como você pode motivar sua família, amigos e colegas de trabalho a compreender melhor e lembrar da misericórdia de Deus na vida deles?